domingo, 10 de fevereiro de 2013

'NADA FOI COMO 0 VIETNÃ', DIZ FOTOGRAFO NickUt


"'Aquela foi uma guerra extremamente perigosa. Perdi meu irmão e muitos amigos. Mas gosto de perigo. Ainda quero voltar a cobrir isso' - NickUt

Fotógrafo da Associated Press

Quando ouviu a explosão da bomba de napalm em Trang Bang, em junho de 1972, o fotógrafo vietnamita Nick Ut pensou: 'Espero que não haja ninguém na cidade.' Após três minutos, viu pessoas desesperadas: uma mulher ferida na perna, uma mãe correndo com os filhos, uma avó com um bebê de 1 ano nos braços.

Eram tantas imagens impressionantes que, rapidamente, quase todos os fotógrafos ficaram sem filme. Ut olhou em direção à fumaça, viu uma garota nua que corria ao lado do irmão e gritava: 'Estou morrendo! Muito quente! Muito quente!' Ut ainda tinha um filme na Leica.

E fez a foto mais importante da guerra do Vietnã e talvez uma das mais emblemáticas do século XX, que lhe valeu o prêmio Pulitzer e o apelido de 'tio Nick' dado pela então pequena Kim Phuc, a garota cuja dor ele expôs para o mundo. Quarenta anos depois, Ut voltará a Trang Bang em janeiro para rever a cidade e, em março, para contar sua história a estudantes americanos que viajam com ele. Lá, não encontrará Kim Phuc (hoje com 49 anos), que vive com a família no Canadá. Sem problemas: os dois se falam por telefone uma vez por semana.

Somos como uma família diz o fotógrafo, que, além de registrar Kim, trabalhou para salvar sua vida. Enquanto ela corria, eu via seu corpo tão queimado que pensava que fosse morrer. Coloquei a câmera no chão e dei a ela água potável para beber e água fresca para esfriar seu corpo. Ela gritava: 'Por favor, não ponha água, vai me matar.' Um de seus tios veio até mim e pediu que levasse as crianças ao hospital. Peguei Kim no colo e a levei para a van com outras crianças. Lembro dela chorando e dizendo: 'Acho que vou morrer, acho que vou morrer...'

Ut tentou acalmar Kim no trajeto, dizendo que estavam perto do hospital. Lá, recebeu uma negativa dos médicos: já havia muitos feridos, e eles não poderiam ajudar mais ninguém. O fotógrafo sacou seu crachá da Associated Press e avisou que, se não atendessem as crianças, ele divulgaria o fato. A família Phuc foi atendida, e Ut correu para a sede da AP em Saigon. A foto da criança nua causou estranheza nos editores que, mesmo assim, enviaram a imagem a Nova York. Ela foi capa em dezenas de jornais mundo afora.

'Depois da guerra, fui para Los Angeles e, mais tarde, para Tóquio. Durante dois anos, cobri conflitos na Coréia do Sul e na Coréia do Norte. Mas não era a mesma coisa que o Vietnã. Nada foi como o Vietnã. Aquela foi uma guerra extremamente perigosa. Perdi meu irmão e muitos amigos', afirma ele, que voltou para Los Angeles, onde registra de terremotos ao caso O.J. Simpson e celebridades de Hollywood. 'Mas gosto de perigo. Ainda quero voltar a cobrir isso.'

Ut prefere não comentar o recente caso do fotógrafo R. Umar Abbasi, que, no início do mês, registrou a morte de um homem no metrô de Nova York e suscitou o debate: deveria fotografar ou salvar a vítima A Associated Press pediu a seus funcionários que não falem sobre o assunto.

Sempre ajudei pessoas em dificuldades. É apenas nossa natureza humana ele limita-se a dizer. Mas, como fotógrafo profissional, também tento captar a melhor foto. Para a História, é muito importante registrar e documentar a condição humana em situações de perigo.

O próprio Ut, afinal, estava em perigo quando registrou a cena da bomba de napalm. Decidira ser fotógrafo aos 14 anos, logo após perder o irmão que fotografava para a Associated Press. Tinha 16 quando conseguiu emprego na agência e apenas 21 quando esteve diante da imagem de dor que marcou a História do século XX." •

fonte: O Globo - Rio de Janeiro - RJ p. 8 23/12/2012

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